LENDAS AMAZÔNICAS


LENDA DA MANDIOCA

Todos os índios tem pele morena. Uns mais, outros menos, de acordo com cada região e nação a qual pertencem. Apenas Mani nasceu diferente. Era branca como o leite e tinha os cabelos mais amarelos que as espigas de milho maduras.

Muito antes de nascer, o cacique já havia sido avisado de sua vinda. Em sonhos, um espírito branco havia contado que eles ganhariam um presente sagrado de Tupã.

Quando nasceu, Mani, apesar de tão diferente, não chegou a causar espanto, mas encanto! Todos queriam vê-la e tocá-la, pois ela era um presente vindo de Tupã.

E por ser diferente, chamava muita atenção. Todos diziam que ela era a mais bela índia que havia nascido na terra. Na tribo era tratada com uma jóia, uma coisa rara que eles deveriam preservar.

Mas tanto cuidado não evitou que Mani adoecesse como qualquer outra criança. Não teve reza nem remédio do pajé que desse jeito. A índia branca, para a desolação de todos, veio a morrer.

Aos prantos, a tribo escolheu um local bem bonito para depositar o alvo corpo de Mani. E todos os dias, aqueles que tinham saudades, iam ao túmulo. Com o tempo, as flores e plantas novas começaram a brotar. Um dia alguém notou que onde Mani foi enterrada nasceu uma planta que ninguém conhecia. Ela era tão estranha quanto Mani quando nasceu. Todos ficaram felizes e todas as manhãs regavam o pequeno vegetal que crescia cada vez mais.

Um dos índios cavou ao lado da planta e encontrou a raiz que mais parecia um caroço, um nódulo, uma batata. Partindo o pedaço da raiz viram que dentro era tão branco quanto a pequena Mani. Era como se a criança tivesse voltado naquele estranho vegetal de raiz esquisita. Por isso, deram-lhe o nome de "Mani oca", ou "carne de Mani". Depois a palavra acabou virando Mandioca como a conhecemos atualmente.



LENDA DA COBRA NORATO

Em uma cidadezinha, entre os rios Amazonas e o Rio Negro, nasceram Honorato e sua irmã Maria. A mãe dos dois sentiu-se grávida quando banhava nas águas do Rio Negro. Os filhos eram gêmeos e vieram ao mundo na forma de duas serpentes escuras. A tapuia* batizou-os com os nomes cristãos de Honorato e Maria. E sacudiu-os nas águas do Negro porque não podiam viver em terra.

Criaram-se livremente, revirando ao sol os dorsos negros, mergulhando nas marolas e bufando de alegria selvagem. O povo chamava-os: Cobra Norato e Maria Caninana. Cobra Norato era forte e bom. Nunca fez mal a ninguém. Vez por outra vinha visitarva a tapuia velha, em seu tejupar* . Nadava para a margem esperando a noite.

Quando apareciam as estrelas e a aracuã* deixava de cantar, Honorato saía d’água, arrastando o corpo enorme pela areia que rangia. Vinha coleando, subindo, até a barranca. Sacudia-se todo, brilhando as escamas na luz das estrelas. E deixava o couro monstruoso da cobra, erguendo-se um rapaz bonito todo de branco. Ia cear e dormir no tejupar materno.

O corpo da cobra ficava estirado junto ao Rio Negro. Pela madrugada, antes do último cantar do galo, Honorato descia a barranca, metia-se dentro da cobra que estava imóvel. Sacudia-se. E a cobra, viva e feia, remergulhava nas águas do Negro. Voltando a ser a Cobra Norato.

Salvou muita gente de morrer afogada. Desvirou embarcações e venceu peixes grandes e ferozes. Por causa dele a Piraíba do Rio Negro abandonou a região, depois de uma luta de três dias e três noites.

Maria Caninana era violenta e má. Alagava as embarcações, matava os náufragos, atacava os mariscadores que pescavam, feria os peixes pequenos. Nunca procurou a velha tapuia que morava no tejupar.

Numa cidadezinha do amazonense, vive uma serpente encantadora, dormindo, escondida na terra, com a cabeça debaixo do altar da Senhora Santa Ana, na igreja que é da mãe de Nossa Senhora. Sua cauda está no fundo do rio. Se a serpente acordar, a Igreja cairá. Maria Caninana mordeu a serpente para ver a Igreja cair. A serpente não acordou, mas se mexeu. A terra rachou, desde o mercado até a Matriz.

Cobra Norato matou Maria Caninana porque ela era violenta e má. E ficou sozinho, nadando nos igarapés, nos rios e no silêncio dos paranás.

Quando havia putirão de farinha, dabucuri de frutas nas povoações plantadas à beira-rio, Cobra Norato desencantava, na hora em que os aracuãs deixam de cantar, e subia, todo de branco, para dançar e ver as moças, conversar com os rapazes, agradar os velhos. Todo mundo ficava contente. Depois, ouviam o rumor da cobra mergulhando. Era madrugada e Cobra Norato ia cumprir seu destino.

Uma vez por ano Cobra Norato convidava um amigo para desencantá-lo. Amigo ou amiga. Podia ir na beira do Rio, encontrar a cobra dormindo como morta, boca aberta, dentes finos, riscando de prata o escuro da noite: sacudir na boca aberta três pingos de leite de mulher e dar uma machadada com ferro virgem na cabeça da cobra, estirada no areão.

A Cobra fecharia a boca e a ferida daria três gotas de sangue. Honorato ficava só homem, para o resto da vida. O corpo da cobra seria queimado. Não fazia mal. Bastava que alguém tivesse coragem.

Muita gente, com pena de Honorato, foi com aço virgem e fresquinho leite de mulher, ver a cobra dormindo no barranco. Era tão grande e tão feia que, dormindo como morta assombrava. A velha tapuia, ela mesma, foi e teve medo. Cobra Norato continuou nadando e assobiando nas águas grandes, do Amazonas ao Negro, indo e vindo, como um desesperado sem remissão.

Num putirão famoso, Cobra Norato nadou pelo rio Amazonas, até uma cidade vizinha. Deixou o corpo na beira do rio e foi dançar, beber e conversar. Fez amizade com um soldado e pediu que o desencantasse.

* O soldado foi, com o vidrinho de leite e um machado que não cortara pau, aço virgem.
* Viu a cobra estirada, dormindo como morta.
* Boca aberta.
* Sacudiu três pingos de leite entre os dentes.
* Desceu o machado, com vontade, no cocuruto da cabeça.
* O sangue marejou.
* A cobra sacudiu-se e parou.
* A cobra Norato deu um suspiro de descanso.

Honorato veio ajudar a queimar a cobra onde vivera tantos anos. As cinzas voaram. Honorato ficou homem.

E Honorato só morreu,anos e anos depois. Não há nesse rio e terras do Amazonas quem ignore a vida da Cobra Norato. São aventuras e batalhas. Canoeiros, batendo a jacumã, apontam os cantos, indicando as paragens inesquecidas: “Ali passava, todo dia, a Cobra Norato...”.

Aracuã : é uma ave que faz muito barulho de manhã na beiro do rio.
A tapuia: a índia.
Tejupar: cabana.


LENDA DA MATINTA PERERA 

Se é um pássaro ou uma velha ninguém sabe explicar ao certo. O que se sabe é que quando a Matinta assobia, o caboclo respeita e se aquieta. Imitam eles, dizendo que "em dada noite estavam em tal lugar quando de repente: Fiiiiiiiiiit, Matinta Perera!"

Em cada localidade, a Matinta é um personagem sempre atribuído a alguma senhora de idade. Se for alguém que viva sozinha, na mata, e que não costume conversar muito, melhor ainda! Essa, com certeza, cairá na boca do povo como a Matinta Perera do local.

Dizem que de noite, quando sai para cumprir seu fado, a Matinta sobrevoa a casa daqueles que zombam dela ou que a trataram mal durante o dia, assombrando os moradores da casa e assustando criações de galinhas, porcos, cavalos ou cachorros.

Dizem ainda que a Matinta gosta de mascar tabaco. E quando lhe prometem o fumo, ela sempre vai buscar no dia seguinte, sempre às primeiras horas da manhã. Por isso, há uma espécie de macete para quem quer descobrir a verdadeira identidade da Matinta Perera: quando se ouve o assobio na mata, o curioso deve gritar bem alto: "vem buscar tabaco!". No dia seguinte, bem cedinho, a primeira pessoa que bate à porta do curioso vai logo dizendo a que veio: "bom dia, seu fulano! Desculpe ser tão cedo, mas é que eu vim aqui buscar o tabaco que o senhor me prometeu noite passada!".

Assustado, o curioso deve logo providenciar um pedaço de fumo para dar à indiscreta visita. Se não der o que prometeu, a Matinta Perera volta à noite e não deixa ninguém dormir. Outra forma de descobrir a verdadeira identidade de uma Matinta é por meio de uma simpatia onde, à meia noite, se deve enterrar uma tesoura virgem aberta com uma chave e um terço sobrepostos. Garantem os caboclos que a Matinta não consegue se afastar do local.

Há os que dizem que já tiveram a infeliz experiência de se deparar com a visagem dentro do mato. A maioria a descreve como uma mulher velha com os cabelos completamente despenteados e que tem o corpo suspenso, flutuando no ar com os braços erguidos. Ao ver uma Matinta, dizem os experientes, não se consegue mover um músculo sequer. A pessoa fica tão assustada que fica completamente imóvel! Paralisada de pavor!

Dizem ainda que quando a Matinta Perera sente que sua morte está próxima, ela sai vagando pelas redondezas gritando bem alto "Quem quer? Quem quer?". Quem cair na besteira de responder, mesmo brincando, "eu quero!", fica com a maldição de virar Matinta. E assim o fado passa de pessoa para pessoa.




LENDA DO BOTO


Segundo a crendice popular, em todas as festas realizadas à beira dos trapiches, em margens de rios, sempre haverá um boto à espreita de alguma moça ingênua e, de preferência, virgem ou menstruada.

Conta a lenda que, durante a noite, ao ouvir o som das festas realizadas nos beirais dos rios, o boto se transforma em um belo rapaz, de roupas brancas, sapatos brancos e um característico chapéu branco, este serve para esconder o buraco no alto da cabeça.

O chapéu serve também para ocultar parte de seu rosto que afinal, é um rosto desconhecido pelos habitantes.

Após sua transformação, o boto segue rumo à festa, caminhando com seu andar um tanto quanto desajeitado, afinal o boto não tem costume de andar em terra firme.

Mas para as moças novas que estejam na festa, em nada de estranho o boto lhe parecerá, nem seu jeito calado, nem seu chapéu que lhe esconde parte de seu rosto desconhecido dos habitantes das redondezas. Nada disso parecerá estranho ou afastará a moça escolhida.

Dizem os caboclos que o boto encanta a moça pelo seu olhar, e após conseguir sua conquista, o boto se lança no primeiro braço de rio ou igarapé, revelando-se então como o senhor dos seres aquáticos, o Boto.